spx-clinica-spx-imagem-industria-farmaceutica-vigia-receitas-medicas-capa

Sem Permissão, Indústria Farmacêutica Vigia Receitas Médicas

Acompanhe como a indústria farmacêutica vigia receitas médicas no Brasil para tentar influenciar o que é indicado pelos médicos

 

De acordo com uma reportagem conduzida pelo portal UOL, foi confirmado que a indústria farmacêutica vigia receitas médicas no Brasil. Sob o mesmo ponto de vista, ainda utiliza essas informações com o objetivo de influenciar as decisões de prescrição em consultórios, clínicas e hospitais.

Em suma, esse processo envolve um esquema de captura de dados de magnitude milionária, iniciando no balcão das farmácias e seguindo para duas empresas especializadas. Em seguida, as empresas especializadas comercializam os registros para fabricantes de medicamentos. A operação, assim, processa no mínimo 250 milhões de prescrições em um ano.

Além disso, os participantes do processo não negam sua prática, sustentando que todas as ações estão em conformidade com a legislação e contribuem para o aprimoramento do conhecimento dos médicos.

Indústria Farmacêutica Vigia Receitas Médicas: O Que Diz a LGPD?

spx-clinica-spx-imagem-lgpd-receitas-medicas

A LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) estabelece, acima de tudo, a necessidade de consentimento para o uso e a comercialização de dados pessoais, definidos como qualquer “informação relacionada a pessoa natural identificada e identificável”. Nesse sentido, o monitoramento visa identificar médicos, e estes não concederam autorização.

Entretanto, especialistas afirmam que, em situações como essa, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados ainda não regulamentou se o consentimento individual deve prevalecer. A legislação também contempla o conceito de “interesse legítimo” da empresa, onde se considera que a importância do cadastro pode sobrepujar a necessidade de autorização individual.

A questão vai além da privacidade, envolvendo um conflito de interesses. Com posse desses dados, fabricantes buscam persuadir médicos a prescreverem seus produtos, utilizando estratégias bem como amostras grátis, brindes para o consultório e até viagens para congressos no exterior, com todas as despesas pagas. O ciclo recomeça quando as novas prescrições chegam às farmácias.

spx-clinica-spx-imagem-foto-esquema-receitas
Foto: Reprodução/UOL

Desconhecimento dos Médicos Sobre Vazamentos

Analogamente, muitos médicos desconhecem como suas prescrições foram inadvertidamente compartilhadas com a indústria farmacêutica. A equipe de reportagem do UOL procurou o Conselho Federal de Medicina, que expressou sua preocupação, classificando a situação como ‘temerária’, afinal, representa uma quebra do sigilo sobre as prescrições destinadas aos pacientes.

Ao longo de três meses, a reportagem realizou entrevistas com médicos, executivos e ex-executivos da indústria farmacêutica, do varejo de medicamentos e do setor de gestão de dados, além de conversar com funcionários que atuam na linha de frente. Adicionalmente, a equipe consultou documentos contábeis de empresas de capital aberto e processos movidos por ex-funcionários na esfera da Justiça trabalhista.

Atenção: Como Funciona o Esquema?

spx-clinica-spx-imagem-como-funciona-o-esquema

Em síntese, ao se dirigir ao balcão da farmácia com uma receita, a pessoa passa por um processo em que o balconista, ao consultar os produtos, discretamente registra o CRM, número do registro profissional médico, sem o conhecimento dela. Esse procedimento não está relacionado ao controle exigido pelo Ministério da Saúde para vendas de produtos controlados.

Do contrário, esse sistema é de natureza privada, concebido para abastecer a indústria farmacêutica, e abrange todas as recomendações médicas, incluindo remédios de tarja preta ou de venda livre, cosméticos e produtos para bebês. Os dados do paciente não são incluídos no registro.

Essa prática ocorre devido ao valor estratégico da informação sobre o médico para os laboratórios. O médico é o único que, de acordo com a legislação brasileira, pode receber publicidade de medicamentos tarjados. Logo, o monitoramento das prescrições é utilizado para desenvolver estratégias de marketing médico.

O Esquema nas Grandes Redes de Farmácias

As farmácias envolvidas nesse esquema são denominadas “informantes”, sendo as principais as grandes redes associadas à Abrafarma (Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias). Elas representam aproximadamente três quartos de todas as prescrições monitoradas no Brasil.

Esse grupo inclui gigantes como RaiaDrogasil (englobando a DrogaRaia e a Drogasil), DPSP (Drogaria São Paulo e Pacheco) e Drogaria Araújo, por exemplo. Algumas dessas redes estabelecem metas para a inclusão de prescrições em seus bancos de dados, e os funcionários podem ser cobrados se essas metas não forem atingidas.

Por outro lado, em farmácias independentes, a probabilidade de as receitas serem monitoradas é significativamente menor. Em resposta ao UOL, a Abrafarma afirmou que a coleta de informações “a serviço de indústrias farmacêuticas atende aos requisitos da legislação vigente”.

spx-clinica-spx-imagem-foto-etapa-1
Foto: Reprodução/UOL

O passo seguinte na operação é a transmissão das prescrições para duas empresas especializadas em dados: as multinacionais Close-Up e IQVIA. Ambas, então, negociam o envio das receitas com as farmácias e vendendo as informações resultantes para a indústria farmacêutica.

A Close-Up adota um modelo de pagamento por prescrição capturada, variando entre 7 e 13 centavos por receita, explicando as metas estabelecidas para os balconistas. A IQVIA inicialmente remunerava as farmácias por prescrição, no entanto, atualmente opera por meio de permuta de dados, recebendo as receitas médicas e oferecendo acesso a informações setoriais em troca.

As duas empresas não revelam o tamanho de seus bancos de dados. Segundo investigação do UOL, somente a IQVIA obtém aproximadamente 250 milhões de prescrições anuais no Brasil, mantendo esses registros por cinco anos, totalizando mais de um bilhão de registros.

spx-clinica-spx-imagem-foto-etapa-2
Foto: Reprodução/UOL

Prescrições em Destaque

Na base de dados da Close-Up, apenas 34% dos médicos optam por receitar genéricos, uma alternativa mais acessível para a população. Esse número é ainda menor entre ortopedistas, neurologistas e psiquiatras, acendendo um alerta para os fabricantes de medicamentos de marca. O aumento nesse percentual representa um motivo de preocupação para essas empresas.

Outra categoria relevante é a dos médicos mais ativos em prescrições. Em 2019, apenas 7.300 foram responsáveis por uma em cada cinco prescrições captadas pela Close-Up, equivalendo ao total de outros 377 mil. Além das informações das receitas médicas, tanto a Close-Up quanto a IQVIA enriquecem suas bases de dados com uma variedade de informações sobre os médicos.

A IQVIA, por exemplo, compila mais de vinte fontes de dados no “doctor master file”, abrangendo perfis de todos os quase 600 mil CRMs do país. Já a Close-Up vai além, incluindo detalhes como os hobbies, participação em congressos e habilidades linguísticas, como o domínio do inglês. Esses dados auxiliam a indústria farmacêutica na abordagem personalizada de cada médico.

spx-clinica-spx-imagem-foto-etapa-3
Foto: Reprodução/UOL

À primeira vista, nos orçamentos das grandes indústrias farmacêuticas, os gastos com marketing frequentemente ultrapassam os investimentos destinados à pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos.

O marketing farmacêutico abrange diversas estratégias, como os “propagandistas”. A principal responsabilidade destes é manter uma presença constante junto aos médicos. No Brasil, existem 21.400 propagandistas com carteira assinada, recebendo uma remuneração média de R$ 11.000, conforme dados do Ministério do Trabalho e Emprego.

A Eurofarma, uma das três principais marcas de medicamentos no país, afirma possuir o maior contingente nacional de propagandistas, totalizando 4.000. Em 2022, esses profissionais realizaram 6,2 milhões de visitas aos médicos, uma média de 25 mil por dia útil.

Sindusfarma Responde

Em resposta ao UOL, o Sindusfarma, que atua como representante das fabricantes de medicamentos no Brasil, declarou que o monitoramento das receitas “é um instrumento de aferição da eficácia da comunicação que as indústrias farmacêuticas estabelecem com os profissionais de saúde“.

Além disso, acrescentou ainda que “esse tipo de levantamento é realizado em dezenas de países, inclusive na Europa, por consultorias com credibilidade e reputação internacional“.

spx-clinica-spx-imagem-foto-etapa-4
Foto: Reprodução/UOL

Em suas comunicações públicas, as empresas farmacêuticas afirmam que a finalidade das visitas dos propagandistas é fornecer informações essenciais para que os médicos possam tomar decisões fundamentadas. Uma tática persuasiva comum é a distribuição de amostras grátis de medicamentos.

Da mesma forma, os laboratórios oferecem vantagens pessoais aos médicos, indo desde brindes para o consultório, como televisores e aparelhos de ar-condicionado, até o patrocínio de participação em congressos no Brasil e no exterior, com todas as despesas pagas.

A própria indústria farmacêutica, de certa forma, sinaliza que monitora as atividades dos médicos. Isso os leva a compreenderem que, ao assumir um “compromisso” com uma marca específica, é necessário efetivamente prescrever seus produtos. Contudo, alguns médicos, sem conhecimento sobre como seus dados estão sendo compartilhados com a indústria, suspeitam erroneamente de empresas de prescrições digitais, que não estão envolvidas nesse processo.

Encerramento do Ciclo

O ciclo se completa quando uma nova receita médica é apresentada no balcão da farmácia e capturada nos bancos de dados da Close-Up e IQVIA.

Com essas informações recém-adquiridas, torna-se possível avaliar o impacto das ações de marketing. É possível identificar quais médicos seguiram o “compromisso” assumido com o propagandista e passaram a prescrever mais medicamentos daquela marca específica.

Siga a SPX nas redes sociais

Gostou do conteúdo? Clique aqui e siga a SPX Clínica nas redes sociais e fique por dentro de todas as novidades sobre saúde!

Artigos Relacionados

1